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Sopro Dos Antigos

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Synopsis
Envolto por névoa e silêncio, um estranho desperta em um mundo que não conhece, onde cada rosto esconde histórias e cada gesto revela segredos antigos. Montanhas, rios e vilas guardam tradições esquecidas, e a vida segue um ritmo próprio, imperceptível aos desatentos. Entre caminhos de pedra e sussurros do vento, ele precisará aprender a observar, a entender e a sobreviver antes que o desconhecido o encontre.
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Chapter 1 - Sopro Do Desconhecido

Capítulo 1 — O Sopro do Desconhecido

A chuva caía fina, constante, como se o céu chorasse em um lamento antigo.

O som ritmado das gotas batendo no telhado de madeira era a única coisa que quebrava o silêncio profundo daquele lugar esquecido.

Quando Lu Tian abriu os olhos, o mundo parecia estranho.

O teto era de madeira bruta, as vigas expostas, o cheiro de umidade misturado com algo herbal.

Ele piscou algumas vezes, confuso, tentando entender onde estava.

O ar era pesado, frio, úmido — e cada respiração parecia rasgar sua garganta.

Por um instante, ele não se moveu. Apenas observou o teto, com o coração latejando dentro do peito.

Suas memórias voltaram em fragmentos: o barulho metálico dos freios, o clarão dos faróis, o grito que ele nunca chegou a soltar... e então, o nada.

Um vazio interminável.

E agora, ele acordava ali.

Num lugar que não reconhecia.

Vivo.

Ele tentou se levantar, mas o corpo não respondeu.

Uma dor aguda percorreu-lhe as costas, e as articulações protestaram como se o corpo fosse velho, gasto.

Com esforço, virou o rosto para o lado e viu uma pequena mesa de madeira, tosca, com uma lamparina de óleo quase apagada e uma tigela com um líquido já frio.

Ao lado, ervas secavam penduradas em fios rústicos.

Tudo ali era simples.

Demais.

— Onde... eu estou...?

A própria voz soou distante, rouca, como se não lhe pertencesse.

Tentou observar as próprias mãos — e ficou em silêncio.

Eram ásperas, sujas, calejadas. Mãos que trabalhavam na terra, não mãos que seguravam um celular ou digitavam em um teclado.

O coração acelerou.

Ele se forçou a levantar, sentando-se devagar. O chão rangia sob seus pés descalços.

Uma brisa fria entrou pela janela aberta, trazendo o som da chuva e o cheiro de terra molhada.

Lá fora, o céu estava coberto por uma névoa espessa. E entre ela, sombras de montanhas se erguiam como gigantes adormecidos.

Lu Tian engoliu em seco.

— Isso não é... possível...

Os pensamentos eram um turbilhão.

Será que estava sonhando? Morto? Preso em algum tipo de ilusão?

Mas tudo era tão real — o toque da madeira áspera, o frio que entrava pela janela, o gosto amargo na boca.

De repente, o rangido de uma porta interrompeu o silêncio.

Passos lentos se aproximaram, e um velho apareceu na soleira.

Era baixo, curvado, com cabelos brancos que escapavam de um coque frouxo.

Vestia roupas simples, de tecido grosso, e apoiava-se em um bastão de bambu gasto.

Os olhos, porém, tinham um brilho tranquilo, como o de alguém que já vira muitas estações passar.

— Ah... o forasteiro acordou, afinal — murmurou o velho, com um meio sorriso.

— Quem... é você? — Lu Tian perguntou, a voz ainda fraca.

— Ninguém importante, garoto. Apenas o velho Shen, que ainda insiste em cuidar de quem o destino joga à minha porta.

Ele entrou calmamente, fechando a porta atrás de si.

O som da chuva ficou abafado.

Shen caminhou até a mesa, pegou a tigela e olhou para ela com leve reprovação.

— Deixei o mingau quente, mas pelo visto dormiu demais.

— Eu... quanto tempo fiquei inconsciente?

— Três dias. — O velho respondeu enquanto mexia na lamparina. — Quando o encontramos perto do Lago Nebuloso, achei que não passaria da primeira noite.

Lu Tian ficou imóvel.

Lago Nebuloso? Nunca ouvira falar.

Ele tentou recordar se havia algum lugar com esse nome — alguma cidade, vila turística — mas nada lhe vinha à mente.

— Onde... fica isso? — perguntou.

— Aqui mesmo, nos arredores da Vila das Cem Chuvas. — o velho respondeu, como se o nome fosse o mais natural do mundo. — Fica aos pés das montanhas. Poucos vêm até aqui, a não ser os que não têm mais para onde ir.

O silêncio voltou.

Lu Tian observou o homem à sua frente, cada gesto calmo, cada palavra pausada.

Havia algo de sereno naquele velho — uma espécie de aceitação que apenas quem viveu demais carrega.

— E como eu... vim parar aqui?

— Pergunta curiosa. — Shen riu baixo, um som rouco. — Os céus é que sabem. Alguns pescadores te viram flutuando perto da margem, desacordado. Achamos que era um viajante atacado por bandidos. Suas roupas estavam rasgadas, e você não carregava nada, nem uma moeda.

Lu Tian abaixou a cabeça.

"Flutuando... perto da margem."

Como alguém poderia sobreviver assim?

E mais: o que ele fazia em um mundo que não reconhecia?

O velho se aproximou, observando-o em silêncio.

— Você tem sorte de estar vivo.

— Eu... eu devia estar morto. — murmurou Lu Tian, quase para si mesmo.

— Talvez devesse. — Shen respondeu, sem emoção. — Mas não está. Então, coma.

Ele deixou uma nova tigela sobre a mesa, com um líquido fumegante que exalava o cheiro simples do arroz e do gengibre.

Lu Tian olhou para a comida por um momento, hesitante, antes de levar a colher à boca.

Era um sabor suave, quase sem tempero, mas naquele instante, parecia a coisa mais real do mundo.

— Obrigado...

— Não há de quê. — Shen ajeitou o bastão e se virou para a porta. — Descanse. Quando a chuva parar, poderá sair e ver o vilarejo. Só... evite ir muito longe nas montanhas. Os ventos lá não são gentis com estranhos.

O velho saiu, e a porta se fechou devagar, deixando para trás apenas o som da chuva e o leve estalar da lamparina.

Lu Tian permaneceu sentado, observando o vapor subir da tigela.

"Vila das Cem Chuvas..."

Um nome poético demais para um lugar tão real.

Mas havia algo nas palavras do velho — algo que não encaixava.

Ele terminou de comer, apoiou-se na parede e respirou fundo.

O ar parecia... diferente.

Mais denso.

Quase palpável.

Era como se pudesse sentir cada partícula no ar, como se algo invisível preenchesse o ambiente — uma presença viva, sutil, que o observava em silêncio.

Mas ele afastou o pensamento. Devia ser apenas o efeito do trauma.

Ou talvez, o simples choque de ainda estar vivo.

Levantou-se devagar, e foi até a janela.

A chuva diminuíra, mas a névoa ainda cobria tudo.

No horizonte, as montanhas se estendiam como muralhas eternas, e entre elas, fios de fumaça subiam — talvez de outras vilas, ou talvez de algo mais.

Lá fora, uma mulher atravessava a rua de terra, carregando lenha sob um manto encharcado. Um grupo de crianças corria atrás de um cão, rindo sob a chuva fina.

Tudo parecia... normal.

Mas algo dentro de Lu Tian dizia que aquele mundo não era o mesmo que o seu.

Seus olhos se fixaram nas montanhas novamente.

O vento mudou.

Por um instante, ele jurou ter visto algo se mover no alto dos picos — uma sombra longa, sinuosa, como o bater distante de asas.

Pisou para trás, o coração acelerando.

Mas quando piscou, a névoa já havia engolido tudo.

Silêncio.

Apenas o som da chuva retornando, leve, constante.

— ...Que lugar é esse? — murmurou.

As palavras sumiram no ar.

E do lado de fora, o vento pareceu responder, assobiando entre as frestas da janela.

Um som suave, quase humano.

Naquela noite, Lu Tian não dormiu.

Enquanto o velho Shen roncava em algum canto da casa, ele ficou deitado, observando o teto, ouvindo a chuva que nunca cessava.

E pela primeira vez desde que abrira os olhos, teve certeza:

Aquele mundo não era a Terra.