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Chapter 24 - Capítulo 23 – O Retorno

Sete meses haviam se passado desde que Lucius, Friaren, Aurus e Ignis haviam adentrado as profundezas da Cordilheira das Bestas Mágicas.As florestas densas e montanhas enevoadas daquela região haviam se tornado testemunhas silenciosas de seu crescimento e compreensão. O tempo, ali, não corria da mesma forma — parecia fluir como um rio tranquilo, moldando suas almas e fortalecendo seus corpos.

Lucius caminhava à frente, sereno, o manto negro esvoaçando sob o vento das alturas. Seus olhos, calmos e profundos, refletiam uma paz interior conquistada após incontáveis dias de meditação e observação.Friaren seguia logo ao lado, envolta por uma aura sutil de vento e relâmpago. Sua presença, antes fria e introspectiva, agora carregava leveza e vida — os traços de um sorriso sereno ocasionalmente surgiam em seu rosto, algo que há poucos anos pareceria impossível.Ignis, a jovem fênix, voava em círculos acima deles, deixando rastros de fogo suave no céu. As chamas que emanavam de suas penas cintilavam como ouro vivo, belas e imponentes.Aurus, em sua forma menor, caminhava logo atrás — seu pelo prateado-escuro refletindo o brilho do sol. O lobo místico parecia mais calmo e imponente do que nunca, seus olhos dourados observando tudo ao redor com sabedoria e certa nostalgia.

A vastidão da cordilheira se estendia em todas as direções — vales cobertos por neblina, rios que cortavam fendas profundas e o rugido distante de bestas mágicas ecoando como o som natural da vida selvagem.Mas, naquele dia, não havia perigo. A força dos quatro era tamanha que até as feras mais audazes se ocultavam, sentindo o peso de suas presenças.

Friaren respirou fundo, fitando o horizonte tingido pelo pôr do sol."Sete meses… parece que foi uma vida inteira desde que deixamos a cidade."

Lucius respondeu com um leve sorriso."O tempo aqui é diferente. Na cordilheira, os dias parecem mais longos, e as noites, mais sinceras. Aprendemos a ouvir o mundo — e a nós mesmos."

Ignis pousou no ombro de Lucius, sua voz infantil ecoando em um tom caloroso:"E também a valorizar o calor, mesmo no frio. Este lugar me ensinou que mesmo o fogo precisa descansar."

Aurus soltou um som grave, entre um rosnado e uma risada."Descansar… talvez. Mas confesso que sentirei falta do cheiro da floresta. Foi aqui que nasci, perto das bordas da Floresta Negra. Aquele lugar… era cruel. As presas devoravam os predadores, e a força era a única lei. Ainda assim, é minha terra."

Lucius o olhou com respeito."Então é um retorno. E talvez, uma despedida."

Friaren ergueu o olhar para o céu, onde as nuvens corriam ao vento."Estamos voltando para casa… embora eu me pergunte se ainda é a mesma. Kael deve ter transformado metade da guilda em um campo de batalha, e Rogan, em um laboratório de experiências arriscadas."

Lucius deixou escapar uma breve risada."Provavelmente. Mas esse é o tipo de caos que mantém a Caelum viva."

O vento soprou, levantando folhas douradas ao redor do grupo. Por um instante, o cenário parecia se curvar à sua passagem — a natureza reconhecendo o fim de uma jornada e o início de outra.

E assim, Lucius, Friaren, Aurus e Ignis seguiram seu caminho, deixando para trás a vastidão selvagem da Cordilheira das Bestas Mágicas.O mundo natural se calava em respeito, e até o ar parecia sussurrar em reverência — não apenas aos seus poderes, mas à serenidade que agora emanavam.

Logo, as montanhas começaram a dar lugar a planícies e vilas distantes. O retorno à civilização se aproximava, e com ele, uma nova etapa aguardava — a de liderar, ensinar e proteger.

...

O retorno à cidade foi silencioso, mas a presença do grupo não passou despercebida.Quando Lucius, Friaren, Aurus e Ignis atravessaram os portões de pedra do distrito superior, o murmúrio se espalhou pelas ruas como vento cortando relva seca.

Aqueles que os viam lembravam-se de quando haviam partido — jovens talentosos, cheios de potencial, mas ainda com o brilho ingênuo de quem nunca havia sentido o peso do mundo.Agora, no entanto, o que retornava era diferente.

Lucius caminhava à frente, o semblante sereno, mas seus olhos — antes límpidos e curiosos — traziam uma profundidade que fazia qualquer um desviar o olhar. Friaren, ao seu lado, não exibia mais o frio distanciamento de outrora; havia nela uma confiança tranquila, a postura de quem dominara tempestades e aprendera a escutar o vento.

Atrás deles, Aurus, em sua forma lupina menor, caminhava com a dignidade silenciosa de uma fera antiga, enquanto Ignis, em forma reduzida, pousava sobre o ombro de Lucius, as penas flamejantes irradiando calor e vida. Sua simples presença fazia os olhares se erguerem em reverência — poucos poderiam confundir aquela criatura com uma ave comum.

"Eles… mudaram", murmurou um dos mercadores, observando-os passar."Parecem mais velhos… e mais perigosos", respondeu outro, apertando o punho no peito, em sinal instintivo de respeito.

Mesmo os guardas, acostumados à rotina monótona do portão, endireitaram a postura. Havia algo no ar, algo que não sabiam descrever — uma sensação de peso e calma ao mesmo tempo, como se o próprio ar reconhecesse sua força.

Quando finalmente alcançaram o pátio da Guilda Caelum, o som de surpresa ecoou entre os membros.Kael foi o primeiro a sair, com um sorriso largo."Finalmente! Pensei que teríamos que mandar um grupo de resgate", disse, cruzando os braços. "Ou que vocês teriam fundado um império próprio lá na cordilheira."

Rogan veio logo atrás, ajustando seus óculos e analisando Ignis com interesse científico."Uma fênix… de linhagem pura? Incrível. E pelo brilho, ela está no nível santo, não?" murmurou, maravilhado.

Lyara surgiu em seguida, sorrindo de leve."Bem-vindos de volta. Vocês parecem diferentes."

Lucius apenas respondeu com um olhar sereno e uma curva discreta nos lábios."Mudamos um pouco. O mundo lá fora ensina mais do que qualquer biblioteca."

Naquela noite, a Guilda Caelum se encheu de luzes, vozes e risadas.As mesas foram cobertas com carnes assadas, frutas frescas e bebidas de todos os tipos. Era uma celebração não apenas pelo retorno, mas por aquilo que todos sentiam — uma nova etapa, o amadurecimento de quem havia tocado os limites do desconhecido e voltado mais forte.

Kael ergueu uma taça, sorrindo:"A guilda está completa novamente! Aos nossos amigos que desafiaram a cordilheira e voltaram vivos — e aparentemente mais sábios."

Risos e aplausos ecoaram, mas os olhares se voltaram a Lucius, que permanecia tranquilo, observando a chama dançar no centro da mesa.Rogan se inclinou, curioso:"Então, conte-nos… o que vocês encontraram lá? Ouvi que a cordilheira é um cemitério de tolos e um santuário de monstros."

Lucius ficou em silêncio por alguns instantes, os olhos perdidos na lembrança distante das montanhas cobertas por névoa."É um lugar de extremos", respondeu por fim. "Há beleza e morte lado a lado. Encontramos vales cobertos por flores que só florescem à noite, e montanhas onde o próprio vento corta a carne. Vimos bestas lendárias lutando até o último suspiro por algo que não entenderíamos… e, por acaso, testemunhamos o renascimento de uma fênix antiga."

Ignis, empoleirada no ombro de Lucius, soltou um som leve, quase orgulhoso.Alguns riram, outros apenas observaram, sem palavras — sabiam que ele não contava nem metade do que realmente acontecera.

Friaren, ao lado dele, completou com um tom suave:"A cordilheira ensina o que nenhum mestre pode. Aprendemos a escutar as leis do mundo. A compreender o que está além da força."

A sala caiu em um silêncio respeitoso por um instante. Até os mais jovens — Nira, Naya e Mira — sentiram a diferença.Lucius e Friaren haviam voltado mais fortes, sim… mas também mais serenos, mais humanos.

Lyara ergueu sua taça, com um leve sorriso."Então brindemos não apenas ao retorno… mas à evolução."

E assim, entre risos, histórias e o crepitar das chamas, a noite se estendeu na Guilda Caelum — uma noite de reencontros e promessas, marcada pela sensação de que aquele retorno não era um fim, mas o prenúncio de algo maior.

...

A aurora tingia os telhados do distrito superior em tons de dourado e escarlate. A cidade despertava lentamente, mas na sede da Guilda Caelum, o movimento já havia começado muito antes do nascer do sol.

Lucius estava no salão principal, diante da grande mesa de reuniões. O emblema da guilda — uma espada erguida ao centro, cercada pelos sete símbolos elementares — brilhava no vitral atrás dele, refletindo luz pelas paredes. Friaren observava a cena em silêncio, encostada próxima à janela, enquanto Ignis dormia encolhida sobre uma das vigas, seu corpo irradiando calor suave. Aurus, em sua forma humana, permanecia encostado em uma das colunas, os braços cruzados e a expressão calma.

Lucius respirou fundo, seus olhos percorrendo os rostos ao redor da mesa. Kael, Rogan, Lyara, Derek e Mira estavam presentes — cada um com seu papel dentro da organização.

"Precisamos reorganizar os setores de treinamento e missões", começou Lucius, sua voz firme e serena. "Durante nossa ausência, os registros de novos membros aumentaram, mas a seleção não acompanhou o mesmo ritmo."

Kael assentiu, abrindo um pergaminho. "O nome da guilda atraiu aventureiros de meia dúzia de cidades vizinhas. Metade deles não sobreviveu à triagem de Rogan."

Rogan ajustou os óculos, impassível. "Aqueles que não conseguem identificar uma besta mágica comum de uma mítica não têm lugar aqui. A Guilda Caelum não é abrigo de tolos."

Lucius esboçou um leve sorriso. "Exato. Mas também não devemos nos fechar completamente. Vamos criar um grupo de iniciantes sob supervisão direta — um campo de observação. Quem demonstrar talento real será promovido."

Lyara cruzou as mãos sobre a mesa. "E quanto às alianças? Há outras guildas querendo se aproximar. Algumas por respeito… outras por medo."

"Por enquanto, apenas observem", respondeu Lucius. "Não temos pressa. Força verdadeira não precisa ser exibida nem explicada."

Friaren desviou o olhar do vitral e comentou suavemente: "E quanto às nossas próprias fronteiras? As missões de reconhecimento mostraram atividade anormal no norte. Criaturas que normalmente ficam nas profundezas estão migrando para regiões mais próximas das vilas humanas."

Lucius assentiu. "Percebi isso também. Enviaremos grupos de observação, mas discretos. Não quero alarde até termos certeza da causa."

Aurus, que permanecera calado até então, abriu os olhos dourados. "Se for o que estou pensando, pode estar ligado àquele fluxo de energia que senti na cordilheira. Algo está se movendo debaixo da terra — não naturalmente."

Lucius olhou para ele por um momento e respondeu com serenidade: "Então reforçaremos as defesas. A Caelum não será pega de surpresa."

O silêncio se instalou brevemente, pesado, mas firme. Era a quietude de quem compreendia a responsabilidade que carregava.

Ignis, despertando de seu breve sono, abriu as asas e soltou um som suave, como um canto distante. A chama em suas penas dançou, refletindo no símbolo da guilda, e a luz dourada pareceu envolver o salão.

Lucius olhou para ela e murmurou com um leve sorriso: "Parece que até Ignis concorda."

Um riso leve percorreu o grupo, quebrando a tensão.

A reunião seguiu até o meio da manhã, com planos traçados e responsabilidades definidas. Quando terminou, Lucius ficou sozinho no salão por alguns instantes, observando o emblema da guilda sob a luz da manhã.

Ele pensou no quanto haviam crescido — não apenas em poder, mas em propósito. A Guilda Caelum não era mais apenas uma promessa. Era uma força silenciosa que se erguia, paciente e inevitável, como o céu antes da tempestade.

E, no fundo, Lucius sabia que aquilo era apenas o começo.

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