Cherreads

Chapter 20 - Capítulo 19 – Três Anos Sob o Mesmo Céu

O amanhecer na colina da Guilda Caelum trazia um tipo de silêncio que não era ausência de som, mas de pressa.Os ventos desciam da cordilheira distante, passando pelas copas das árvores e levando consigo o frescor da madrugada.Havia cheiro de terra úmida, pão recém-assado e magia no ar — uma sensação viva, como se o mundo respirasse junto com eles.

Lucius Caelum acordava antes do sol.Era hábito, ou talvez instinto.A alma dele, refinada até o limite do nível Santo, mantinha-se serena como um lago profundo.Caminhava até o pátio principal, onde as pedras lisas ainda guardavam o orvalho, e ficava ali, de olhos fechados, sentindo as correntes sutis de energia que dançavam em torno do vale.

Pouco depois, passos leves ecoavam no corredor.Friaren Caelum surgia, os cabelos brancos e com pequenas faíscas de relâmpago crepitando em torno de seus dedos.Ela bocejou, com a expressão típica de quem acordara contrariada."Você acorda cedo demais, Lucius", disse ela com um sorriso preguiçoso. "Ou talvez eu acorde tarde demais pra acompanhar esse seu espírito de velho mestre."

Lucius abriu um olho, divertido."O relâmpago não deveria ser rápido? Está se tornando preguiçoso."Friaren cruzou os braços e retrucou:"Relâmpago não precisa correr. Ele já chega antes do som."

O riso dela quebrou a serenidade da manhã, e, por um instante, o mundo pareceu mais leve.

Enquanto isso, as gêmeas Nira e Naya Caelum treinavam no jardim inferior.A água e o vento dançavam entre elas como se as próprias forças da natureza brincassem.Nira fazia pequenas esferas translúcidas girarem ao redor de Naya, que, em resposta, soprava correntes suaves para mantê-las suspensas no ar.As risadas delas se misturavam ao som da brisa — e, toda manhã, Friaren fingia estar séria, mas era a primeira a se distrair observando as duas.

Lyara Caelum, por outro lado, estava no pátio lateral, cruzando lâminas com Kael.O som metálico de suas espadas soava como sinos ritmados, marcando o compasso da disciplina.Kael havia se tornado um guerreiro de força impressionante, mas era Lyara quem ditava o ritmo — precisa, implacável, os cabelos dourados colados ao rosto pelo suor.Lucius, ao passar, observava em silêncio.Sabia que, para ela, lutar era uma forma de pensar.

Rogan, no salão principal, lia um grimório antigo com expressão severa.As runas flutuavam acima das páginas, e ele murmurava fórmulas com a calma de um estudioso veterano.Às vezes, corrigia os aprendizes — Kellen, Mira e Darek — com um aceno de mão e uma explicação paciente."Entender magia é como conversar com o mundo", dizia ele, "e o mundo não gosta de quem grita."

No balcão da guilda, Garet servia café fumegante, olhando a todos com um orgulho silencioso.Nunca se tornaria um grande guerreiro — e sabia disso —, mas via nos outros o reflexo de uma chama que também era sua: a de fazer parte de algo que crescia.

Aurus, o lobo místico, descansava à sombra de uma árvore próxima.Os pelos prateados refletiam a luz do amanhecer, e seus olhos, de um azul profundo, observavam tudo com atenção quase humana.Lucius sentia o vínculo entre eles pulsar cada vez mais forte.A alma do lobo, agora no nível 9, carregava a semente do poder ancestral — o despertar do Lobo das Sombras Celestiais.

Os dias corriam lentos, mas cheios.Lucius dividia seu tempo entre ensinar e observar.A cada lição, via os membros da guilda se transformarem — não apenas em poder, mas em presença.As gêmeas já conseguiam manter seus elementos por longos períodos; Friaren, com o relâmpago cada vez mais refinado, compreendia instintivamente as nuances do movimento e da descarga; Rogan havia quase alcançado o nono nível, e Lyara, Kael e Darek moldavam o Douqi com precisão crescente.

Havia harmonia na rotina.E essa harmonia, silenciosamente, amadurecia todos.

Uma tarde, quando o céu se pintava de dourado, Lucius reuniu todos no grande salão.Um mapa aberto sobre a mesa mostrava o relevo da região — montanhas ao norte, rios ao leste e uma cidade não muito distante da Cordilheira das Bestas Mágicas.

"Está decidido", disse ele. "Partiremos amanhã ao amanhecer."

Friaren levantou a cabeça, surpresa."Sério? Já cansou da paz de casa, Lucius?"

Lucius sorriu."Não é cansaço. É o fluxo natural das coisas. Chegou o momento de ver o mundo novamente."

Nira e Naya bateram palmas, animadas.Rogan apenas assentiu, enquanto Kael cruzava os braços, pensativo.Lyara parecia pronta — olhos firmes, postura calma.

E assim, quando o sol seguinte nasceu, a Guilda Caelum partiu.

Os ventos sopravam suaves quando deixaram o vale para trás.A estrada serpenteava entre campos e colinas, e, à distância, já se via a névoa que pairava sobre as montanhas da cordilheira.Friaren, caminhando ao lado de Lucius, lançou um olhar ao horizonte."Sabe… às vezes eu sinto que posso voar, quando uso o vento certo."Lucius respondeu com um sorriso discreto:"Então o vento confia em você."Ela riu. "Ou talvez só esteja me carregando por dó."

Lucius arqueou uma sobrancelha. "Difícil imaginar o vento com pena de alguém.""Ah, você não conhece o meu charme elemental."

O riso leve ecoou pelo grupo, dissolvendo a tensão da jornada.

À medida que avançavam, as árvores tornavam-se mais densas, o ar mais frio e as sombras mais longas.A capital imperial ficava longe ao sul; à frente, a vastidão selvagem da cordilheira esperava — um lugar de perigos e descobertas, onde a natureza e as leis do poder se entrelaçavam.

E assim, entre passos e risos, a Guilda Caelum entrou em uma nova etapa.O tempo correria, e três anos se passariam como um sopro —mas, naquele instante, ninguém sabia o quanto o mundo mudaria.

...

Três anos haviam se passado desde que a Guilda Caelum deixara as montanhas para estabelecer-se na cidade ao pé da Cordilheira das Bestas Mágicas.O tempo, como o vento, moldara todos — com paciência, peso e propósito.

O sol nascia preguiçoso, e a cidade despertava sob o som de martelos, carroças e vozes.As ruas pavimentadas de pedra refletiam o brilho dourado da manhã, e no coração da cidade erguia-se o Salão Caelum — um edifício robusto, de paredes claras e bandeiras azul-prateadas tremulando ao vento.Não era apenas uma guilda. Era um lar.

Lucius Caelum observava o pátio do alto da sacada.A vida ali pulsava em harmonia: magia, risos e o som do aço.Cada um dos seus companheiros — irmãos por escolha — carregava agora a marca de sua própria evolução.

Friaren Caelum estava no centro, o cabelo preso em um rabo de cavalo, faiscando energia elétrica em torno das mãos."Mais rápido, Kellen! Se o relâmpago te atingir, culpe sua lentidão, não o destino!"Ela ria, e uma centelha passava a poucos centímetros do rosto do rapaz.

"Friaren!" gritou Lucius lá de cima, cruzando os braços. "O treinamento não é pra fritar os membros da guilda."Ela levantou o olhar e respondeu com um sorriso zombeteiro. "Ah, mas ele desvia bem melhor quando sente perigo real!"

Kellen arfava, mas retribuiu a piada. "Perigo real? Você é o perigo em pessoa!"Mira, sentada num banco próximo com um grimório aberto, riu baixo. "Melhor que estudar com ela — minha última página ainda cheira a queimado."

"Ei!" Friaren cruzou os braços. "Foi só um choquezinho acidental."

Nira e Naya, as gêmeas Caelum, observavam a cena com risos discretos.Nira fazia uma esfera de água dançar entre os dedos, enquanto Naya moldava o vento em forma de pequenas borboletas translúcidas."Elas se complementam bem, não?" comentou Lyara Caelum, que treinava com Darek próximo dali.Lucius respondeu: "A harmonia delas é natural. Mesmo o vento e a água parecem brincar quando estão juntas."

Darek golpeava o ar, o Douqi vibrando em torno do corpo."O mestre Rogan disse que força sem controle é desperdício.""E ele está certo," respondeu Lyara, erguendo sua lâmina. "Mas às vezes, é preciso desperdiçar um pouco de força… pra entender o próprio limite."

Rogan observava à distância, sentado sob a sombra de uma árvore, um grimório no colo.Os olhos dele carregavam serenidade — e um brilho de orgulho silencioso. Ao lado dele, Garet, o antigo barman, agora usava o emblema da guilda no peito. Ele limpava o suor da testa com um pano."Quem diria que eu acabaria aqui, hein?" disse, rindo. "Três anos atrás, eu só sabia servir vinho e ouvir histórias. Agora, pelo menos consigo levantar uma espada sem cair pra trás."Rogan respondeu com voz grave: "O vinho acalma a alma, mas o treinamento a molda. Ambas são formas de força."Garet riu. "Você fala bonito, velho mago. Mas minhas costas discordam."

Mais adiante, Kael e Aurus treinavam juntos. O lobo místico, agora imponente, exalava uma presença antiga. Sua pelagem escura refletia tons azulados sob a luz, e nos olhos brilhava uma inteligência serena. Kael empunhava a lança e avançava em sincronia com o lobo, como se ambos compartilhassem o mesmo instinto. Lucius observava atentamente. A energia de Aurus havia se tornado refinada — um poder que vibrava entre o físico e o espiritual, resultado da alimentação constante com fragmentos de alma.

Quando Kael parou, respirando fundo, Aurus rosnou suavemente — não em desafio, mas em incentivo."Ele quer continuar," disse Lucius, descendo ao pátio. "O corpo dele já se aproxima do limite das bestas de nona classe. Mais um passo, e ele poderá mudar de forma."Kael passou a mão sobre o pescoço do lobo, orgulhoso. "Se depender de mim, ele chegará lá."

À noite, todos reuniram-se no salão principal.O som das conversas e risadas preenchia o ar.Era uma tradição: toda semana, uma refeição em conjunto, sem hierarquias.

Lucius estava à cabeceira da mesa, mas o olhar era simples, sereno."Vocês cresceram," disse, levantando a taça. "Três anos. Não há mais aprendizes aqui. Somos uma guilda — e uma família."

Mira, corando levemente, levantou o copo. "Então posso parar de te chamar de mestre e te chamar de irmão?"Lucius sorriu. "Se isso te fizer estudar mais, pode."

Friaren bufou, fingindo ciúmes. "Ora, ora, já estão me roubando o posto de irmã mais velha?"Lyara arqueou a sobrancelha. "Você é mais uma irmã barulhenta do que mais velha.""Ei!"As gêmeas riram juntas, e até Garet quase engasgou de tanto rir.

Rogan observava em silêncio, e Kael apenas sorria com os braços cruzados.Aurus, deitado perto da lareira, mantinha os olhos semicerrados — mas a cauda balançava lentamente, atento à conversa.

Lucius olhou em volta e respirou fundo.Aquela era a verdadeira força da Guilda Caelum.Não apenas os níveis de magia, o Douqi ou o corpo — mas a unidade, o vínculo invisível entre todos.

Mais tarde, sob o luar, Lucius caminhou até o topo da colina atrás do salão.O vento da montanha soprava, frio e limpo.Fechou os olhos e sentiu a alma vibrar.A energia sagrada fluía de forma natural — tão natural quanto respirar.

Sem esforço, elevou-se alguns metros, flutuando sob a lua.A cidade dormia, e a Cordilheira das Bestas Mágicas se erguia ao longe, como um mar de sombras e mistérios.

"Três anos…" murmurou. "E o mundo ainda é vasto."

O vento respondeu em silêncio, e uma pequena faísca azul cruzou o céu — o eco de uma promessa.

A Guilda Caelum estava pronta.E o próximo passo os levaria ao coração selvagem da Cordilheira.

...

Três anos.Um piscar de olhos para os deuses, mas o suficiente para que mortais alcançassem o inalcançável.

A cidade ao sopé da Cordilheira das Bestas Mágicas havia mudado, mas nada mudara tanto quanto os que habitavam a sede da Guilda Caelum.Ali, sob o mesmo teto que um dia abrigou sonhadores e aprendizes, agora reuniam-se santos.

No centro do salão, Lucius permanecia imóvel, de olhos fechados.A energia ao redor dele não era apenas densa — era viva.Mago nível santo, guerreiro nível santo, e corpo nível santo — três caminhos fundidos em um só.

A aura que emanava dele distorcia o ar, e até a luz parecia hesitar antes de tocá-lo.Ele havia compreendido mais do que força: entendera a essência da existência — o equilíbrio entre peso e leveza, entre luz e sombra.Agora, o mundo respondia ao seu pensamento. Voar, respirar, existir… tudo era o mesmo ato.

Lucius abria os olhos lentamente, e neles havia o reflexo das Leis — relâmpagos, ventos, trevas e luz dançavam em harmonia.

"Três anos…" murmurou. "E, ainda assim, sinto que estou apenas começando a ver o verdadeiro horizonte."

Poucos metros à frente, Friaren praticava sob o céu aberto, cercada por redemoinhos elétricos.O relâmpago fluía entre suas mãos com naturalidade divina, moldando-se em espirais que cruzavam o vento e faziam o solo vibrar.

Ela também havia alcançado o nível santo — não em um, mas em três elementos: Relâmpago, Vento e Água.Cada feitiço seu era como um quadro vivo — precisão, velocidade e controle absoluto.

"Ei, Lucius!" — gritou, sorrindo, com os cabelos flutuando sob energia estática."Não vai me dizer que ainda está meditando? Ou está esperando o trovão cair pra te acordar?"

Lucius sorriu de canto. "Friaren, se o trovão cair, vai ser você quem acorda o chão, não eu."Ela soltou uma risada. "Talvez eu devesse tentar."

Mesmo entre piadas, Friaren exalava confiança e poder.O relâmpago era parte de sua alma, e o vento — seu maior aliado.A menina impetuosa havia se tornado uma maga que até as academias imperiais começavam a mencionar em murmúrios respeitosos.

Lyara treinava próximo ao lago da guilda, com um machado girando com tamanha precisão que o ar se partia. Seu Douqi e corpo haviam atingido o nível santo, e cada golpe seu condensava a força de uma montanha.

Ela já não era apenas guerreira — era uma muralha. O corpo, esculpido por anos de disciplina, pulsava com energia dourada. Quando atacava, o som ecoava como um trovão distante.

Lyara olhou de relance para Lucius e sorriu levemente."Não é mais treino… é meditação em movimento."Lucius respondeu: "E cada movimento teu é uma lição de equilíbrio."

Nira e Naya — as mais jovens, agora adolescentes — haviam crescido em poder e sabedoria.Ambas alcançaram o nível 6 em magia e nível 4 em corpo.Nira dominava as águas com pureza inigualável. Cada gota parecia responder à sua emoção — ora suave, ora tempestuosa.

Naya, por outro lado, dominava o vento com alegria infantil, criando redemoinhos que dançavam ao redor de todos.As duas juntas representavam a harmonia perfeita entre serenidade e liberdade.

Quando treinavam lado a lado, o lago se agitava e o ar se curvava — como se a natureza inteira brincasse com elas.

Kael, o guerreiro das sombras, havia cruzado seu próprio abismo.O Douqi das Trevas o conduziu ao nível santo, e sua presença agora era densa, envolta em silêncio.Seus ataques pareciam surgir do nada — leves como vento, letais como o vazio.

O jovem que um dia buscou força pela sobrevivência agora dominava a escuridão como extensão do corpo.E, quando lutava, sua sombra se movia como se tivesse vontade própria.A essência das trevas respondia a ele com obediência absoluta.

O veterano Rogan permanecia fiel à sabedoria.Mago nível santo, especializado no elemento água, alcançara domínio quase absoluto sobre o fluxo e a forma.Podia congelar, curar ou destruir com um simples gesto.

Muitas vezes, os mais jovens o chamavam de "Mestre Rogan", e ele apenas sorria, balançando a cabeça."Sou apenas um aprendiz que aprendeu a esperar," dizia.

Mas todos sabiam — sua calma escondia um poder tão vasto quanto o oceano.

O antigo lobo místico, Aurus, havia evoluído para uma fera mítica nível santo.O pelo escuro cintilava com reflexos prateados, e o olhar carregava sabedoria quase humana.Sua linhagem agora era conhecida como Lobo das Sombras Celestiais — uma criatura que caminhava entre mundos.

À noite, sua presença sozinha bastava para fazer o céu estremecer.Ele caçava o vento, movia-se entre as sombras e guardava a guilda como um guardião silencioso.Lucius sabia: Aurus não era mais apenas um companheiro. Era parte de sua alma.

Os antigos aprendizes agora se firmavam como pilares da nova geração.

Kellen, guerreiro nível 7, corpo nível 5, tornara-se um lutador disciplinado e confiável — o tipo de homem que se coloca entre a lâmina e o amigo.

Mira, mago nível 7, corpo nível 4, dominava o vento com serenidade.Sua determinação e paciência inspiravam os mais jovens.

Darek, guerreiro nível 8, corpo nível 6, era o braço direito de Kael em combate.Sua força bruta, refinada pelo tempo, agora vinha acompanhada de estratégia.

E, por fim, Garet — o barman e coração da guilda.Guerreiro nível 4, corpo nível 3, mas com uma alma indomável.Era ele quem mantinha o grupo unido fora das batalhas, lembrando a todos que poder sem humanidade não tem sentido.

No alto da torre da guilda, Lucius olhava o horizonte — o céu claro se fundindo às montanhas distantes.A Cordilheira das Bestas Mágicas erguia-se como um chamado silencioso, uma promessa antiga.

Friaren aproximou-se, com o sorriso de sempre."Então… é hora de seguir em frente?"Lucius assentiu. "O mundo é vasto, e as respostas nunca vêm a quem espera."Ela riu. "Ótimo. Já estava cansada de ver as mesmas nuvens todos os dias."

Os ventos sopram, as sombras se movem.A Guilda Caelum, agora composta por santos e lendas em ascensão, prepara-se para cruzar a fronteira entre o conhecido e o mítico.

O mundo inteiro ainda não sabia — mas algo antigo despertava na Cordilheira.E o destino, mais uma vez, chamava pelo nome Caelum.

More Chapters