O amanhecer tingia o horizonte em tons de cobre e violeta.A caravana da Guilda Caelum avançava lentamente pelas colinas que antecediam o território do Império O'Brien.O frio das Terras Anárquicas começava a ceder — e pela primeira vez em meses, havia calma.
Lucius Caelum caminhava à frente, o manto balançando ao vento.Desde que sua alma atravessara o limiar e alcançara o nível Santo, tudo parecia diferente.O som do mundo havia mudado — o ar parecia respirar, e até o silêncio tinha peso.A cada passo, ele sentia o ritmo do mundo, uma melodia invisível que conectava vento, pedra e vida.
Atrás dele, Friaren Caelum, sua irmã mais velha, caminhava em silêncio, observando-o com um misto de orgulho e curiosidade.Lyara, disciplinada e vigilante, guiava os aprendizes — Kellen, Mira e Darek — enquanto Kael, Rogan e o lobo místico Aurus mantinham os flancos atentos à estrada.As pequenas Nira e Naya, gêmeas de seis anos, seguravam as mãos uma da outra, encantadas com as luzes douradas do amanhecer refletindo na pelagem prateada de Aurus.
Ao cair da tarde, acamparam próximo a um lago raso.O fogo ardia no centro do círculo, e as chamas dançavam refletindo nos olhos atentos de todos.Lucius se levantou, a espada repousando contra o ombro.
"Magia... Douqi... e aquilo que existe entre ambos." — começou ele, com voz calma, mas firme. — "São caminhos que levam à mesma verdade: compreender o fluxo do mundo."
Ele olhou para Lyara e Friaren."Vocês controlam a força e o espírito. Mas ainda não sentem o que une ambos."
Friaren franziu a testa."O que há além disso, Lucius?"
Lucius fechou os olhos."O Potencial."
Silêncio.Até o vento pareceu parar para ouvir.
"O Potencial é o ritmo oculto de todas as coisas.É o que faz o corpo mover-se antes do pensamento, a lâmina cortar antes do impacto, o ar reagir antes da vontade.Não é energia.Não é força.É... harmonia."
Ele pegou uma folha caída e a ergueu."O Douqi fortalece o corpo.A magia aprimora a alma.Mas o Potencial... une ambos."
A folha flutuou, girando em torno de sua mão.Lucius não usava magia.Era o mundo que o obedecia, como se reconhecesse sua presença.
"Um guerreiro comum move o corpo.Um guerreiro santo move o mundo ao redor do corpo."
Lyara observava atentamente."Então... podemos controlar tudo?"
Lucius abriu um leve sorriso."Não controlar. Compreender."
Ele então ordenou que todos se sentassem em círculo.
"Fechem os olhos. Respirem.Não busquem o Douqi dentro do corpo — escutem o ritmo fora dele.Ouçam o som da grama, sintam o calor do fogo, o peso do ar."
Durante longos minutos, o silêncio reinou.
Então Mira, a aprendiz do vento, estremeceu."Senti algo... como se o ar me tocasse, mas sem se mover."
Lucius assentiu."Esse é o início. O Potencial não se domina. Se escuta.Escutem o bastante... e ele responderá."
Ao lado, Lyara concentrava-se em silêncio. Uma pequena corrente de ar serpenteou entre seus dedos e desapareceu.Lucius viu — e sorriu discretamente. O primeiro passo havia sido dado.
Mais tarde, enquanto os demais dormiam, Lucius permaneceu sozinho à beira do lago.A superfície refletia o céu noturno, e a lua se fragmentava nas águas escuras.Ele observava o reflexo e sussurrou:
"Leve e pesado... corpo e alma... luz e trevas..."
"Tudo é o mesmo, visto de lados diferentes."
O poder do Santo pulsava dentro de sua alma, e a Essência das Trevas que agora compreendia parecia mais silenciosa do que nunca.Não um vazio — mas uma presença que tudo engolia, até o som do vento.
Ele olhou para o norte, onde o Império O'Brien aguardava — uma terra de santos, magos e reis.A Guilda Caelum estava prestes a entrar em um novo mundo, e o destino começava a se mover outra vez.
"O caminho do Santo começa quando o mundo deixa de ser inimigo... e se torna parte de você."
Lucius sorriu, sereno.A calmaria havia acabado.O verdadeiro treinamento, enfim, começaria.
...
O tempo avançou em silêncio.As montanhas que cercavam o refúgio da Guilda Caelum tornaram-se testemunhas de dias que se repetiam — manhãs de neblina, tardes de treino, noites de meditação.Não havia pressa.Cada um seguia seu próprio ritmo, como se o tempo, ali, obedecesse a outra ordem.Lucius observava tudo com paciência. Ele sabia que o poder não vinha apenas da força, mas da constância.
As gêmeas, Nira e Naya, sempre começavam antes do amanhecer.Nira, calma e concentrada, permanecia junto ao lago.Sua magia fluía de modo delicado, a água se elevava como véus dançando no ar.Às vezes, uma luz suave escapava de suas mãos e se misturava à água, criando reflexos dourados que se espalhavam sobre a superfície.Lucius, ao vê-la, pensava:
"Ela não está apenas manipulando a água… está conversando com ela."
A luz que Nira possuía era algo raro.Não apenas um elemento, mas uma extensão de sua alma.E era por isso que Lucius a deixava em silêncio — ele sabia que palavras demais podiam interromper o que só o coração compreende.Com o passar dos meses, ela aprendeu a unir os dois elementos.A água curava.A luz purificava.E, unidas, faziam mais que restaurar ferimentos — acalmavam o espírito.Seu avanço foi estável: magia nível 4.
Naya, por outro lado, era pura inquietude.Brincava com o vento e moldava a terra como se fossem brinquedos.No início, era desastrosa.Furacões se formavam ao redor dela, o chão tremia, e a poeira subia como uma muralha.Mas, diferente de Nira, Naya ria de seus erros.Cada falha era uma descoberta.Lucius ensinou-lhe o princípio da leveza e do peso — o equilíbrio entre o que sustenta e o que flui.Pouco a pouco, ela aprendeu a ouvir.A terra passou a se mover apenas quando ela queria, e o vento começou a segui-la como um amigo fiel.No final da estação, havia alcançado também o nível 4 em magia.
Enquanto isso, Friaren se afastava dos outros para treinar nas falésias, onde o vento uivava o dia todo.Seu talento natural com o relâmpago sempre a destacara.Era uma afinidade rara — um poder que nascia selvagem, instintivo.Mas agora, ela aprendia a conciliá-lo com o vento, buscando controle.Lucius a guiava com poucas palavras, apenas com presença e olhares que diziam mais que qualquer explicação.
"O vento é o sopro da liberdade", dizia ele uma vez. "Mas o relâmpago é o grito da vontade. Aprende a ouvi-los como se fossem um só."
Friaren passava horas de olhos fechados, sentindo o ar tocar a pele.O vento sussurrava, o relâmpago respondia.E quando abria os olhos, havia ali uma faísca dourada, uma linha de energia que cruzava a distância entre os mundos.Ela aprendeu a usar o vento para guiar o relâmpago — e o relâmpago para fortalecer o vento.No fim, o céu parecia escutá-la.Seu poder mágico alcançou o nível 7, e seu corpo, endurecido pelo treinamento constante, chegou ao nível 6.
Kael e Lyara passavam a maior parte do tempo no pátio de pedra.O som metálico dos golpes ecoava entre os muros.Lucius os observava, e de tempos em tempos, alterava a gravidade sob seus pés, fazendo-os lutar como se o mundo pesasse o dobro.Era uma forma de ensinar sem falar.O corpo se adapta à dor quando a mente compreende o propósito.Kael, com sua força bruta e determinação, alcançou o nível 8 de Douqi e o corpo nível 7.Lyara, mais serena, mais precisa, aprimorou cada movimento até que suas lâminas cortavam o ar sem resistência.Seu Douqi atingiu o nível 7 e seu corpo o nível 8 — era disciplina feita carne.
Rogan seguiu outro caminho.Enquanto os outros treinavam entre gritos e suor, ele meditava à beira da cachoeira.Durante semanas, nada mudou.Mas então, algo se quebrou dentro dele — a impaciência.Quando deixou de buscar força e apenas observou, o som da água mudou.Era como se cada gota carregasse uma voz, e ele começou a compreendê-las.A água não resistia, mas tampouco cedia.Era o equilíbrio perfeito.Sua magia atingiu o nível 8, beirando o 9, e embora o corpo permanecesse fraco, nível 4, sua presença agora tinha peso — um poder silencioso.
Aurus permanecia quase sempre junto de Lucius.Durante meses, o jovem alimentou o lobo com fragmentos de almas purificadas, fortalecendo sua linhagem antiga.O corpo de Aurus começou a mudar — músculos mais densos, aura mais profunda, olhar mais lúcido.O ar ao redor dele tornava-se pesado, como se o próprio espaço reconhecesse sua presença.Lucius o observava com respeito.
"As feras não mentem. Quando evoluem, é porque estão prontas."Aurus alcançou o nível 9 como besta mágica, com sua linhagem do Lobo das Sombras Celestiais se tornando mais pura, mais próxima do mítico.
No pátio inferior, os jovens Kellen, Mira e Darek seguiam um ritmo diferente.Não havia pressa.Lucius sabia que eles precisavam de tempo, e tempo era o maior dos mestres.Kellen, com força e perseverança, chegou ao nível 4 tanto no Douqi quanto no corpo.Darek, mais controlado, atingiu o nível 5 no Douqi e manteve o corpo no nível 4.Mira, concentrada, mas fisicamente fraca, aprimorou sua magia até o nível 4, mantendo o corpo em 2.Lucius nunca os apressou.Sabia que o valor deles não estava na velocidade, mas na vontade.
E havia ainda Garet.O homem comum.Aquele que limpava, cozinhava, organizava o refúgio e ainda arrumava tempo para treinar quando todos dormiam.Lucius o via e entendia: havia força em permanecer, mesmo quando o destino não oferece promessas.Garet avançou pouco — Douqi nível 3, corpo nível 2 —, mas seu esforço silencioso sustentava a guilda tanto quanto qualquer magia.
E no centro de tudo, estava Lucius.Enquanto os outros treinavam, ele estudava.Cada respiração, cada fluxo de energia, cada verdade elemental.O poder da alma expandia-se, e o corpo, reforçado pela gravidade, tornava-se sua própria fortaleza.Magia nível 9, Douqi nível 9, corpo nível 9.O limiar.A fronteira onde o homem toca o Santo.Ele podia sentir o mundo respondendo a cada batida do coração.O som do vento, o peso da pedra, o fluxo da água — tudo falava a mesma língua.
Quando o outono retornou, a guilda havia mudado.Não em aparência, mas em essência.Os olhos de cada um brilhavam com algo novo.Lucius caminhou até o topo da colina e observou o vale iluminado pelas tochas.As risadas distantes, o som de espadas, o murmúrio das águas.Tudo aquilo era vida.
"Ainda é o início", pensou. "Mas um início forte é o alicerce do impossível."
O vento soprou entre as árvores, e por um instante, ele sentiu que o mundo o escutava.
...
A noite estava silenciosa.Lucius permanecia em meditação sobre o penhasco, de frente para o vale iluminado pela lua.O vento subia em correntes suaves, e o mar de nuvens lá embaixo parecia uma extensão viva de seu próprio espírito.
Dentro dele, tudo era calmo — um silêncio profundo, absoluto.A alma de Lucius, já no nível Santo, pulsava em harmonia com o mundo.Mas havia algo além.Algo sutil, quase imperceptível, que o chamava.
Durante semanas, ele havia digerido completamente a essência do mago santo que absorvera.O conhecimento, as memórias e, principalmente, a compreensão das Leis das Trevas.Ele já não buscava poder.Buscava entendimento.
E, então, algo aconteceu.
A alma dele se expandiu novamente.Não com violência, mas com a serenidade de uma flor se abrindo ao amanhecer.Camadas invisíveis se dissolveram, e uma nova percepção tomou forma.O mundo parecia transparente — cada pedra, cada folha, cada partícula de energia era visível, viva, interligada.
Lucius respirou fundo.E, no mesmo instante, compreendeu o que havia além do nível Santo.
"Quando a alma alcança a pureza absoluta, ela deixa de comandar… e começa a fluir."
A energia mágica em seu corpo se tornou silenciosa, obediente, natural.Não era mais preciso controlar nada.A magia o compreendia.Ela se movia junto com seus pensamentos, antes mesmo de que ele desejasse.
Ele levantou uma das mãos, e uma esfera de trevas surgiu no ar — densa, perfeita, sem esforço.Em volta, o vento reagiu, curvando-se.O chão ao redor se dissolveu em uma névoa negra, mas era uma escuridão calma, acolhedora, sem malícia.A Essência das Trevas agora respondia a ele como um reflexo.
O corpo de Lucius se elevou lentamente.Não havia runas, não havia encantamento — apenas vontade.Flutuar… era como respirar.Não era algo aprendido. Era algo relembrado.Um instinto adormecido, despertando dentro dele.
O vento passou por seus cabelos prateados enquanto o mundo lá embaixo encolhia.Ele sentiu a leveza, a liberdade, e uma estranha certeza de que voar não era privilégio dos fortes — mas dos que compreendiam o equilíbrio.O céu o acolheu sem resistência.
"Então é assim… o poder verdadeiro não precisa ser forçado. Ele apenas é."
Lucius pairou acima da montanha, e as sombras ao seu redor se dispersaram em pétalas negras, dissolvendo-se no ar.Seu poder mágico, agora no auge do nível Santo, estabilizou-se com perfeição.A alma havia atingido o limite do Santo — um estado onde cada pensamento tinha peso, e cada respiração podia alterar o ambiente.
Durante algum tempo, ele apenas permaneceu ali, suspenso sob o luar.Podia sentir a vida pulsando em todo o vale: as gêmeas dormindo em harmonia, Friaren meditando com o relâmpago crepitando em volta, Rogan estudando silenciosamente em seu quarto, e Aurus sonhando em meio às sombras.Todos conectados.
Lucius sorriu.O caminho era longo, mas ele agora via com clareza que o poder não era o fim — era apenas a linguagem do mundo.E ele, finalmente, aprendera a escutá-la.
Flutuando em silêncio, desapareceu no brilho da lua, enquanto a noite o envolvia com a serenidade de um véu.
