Cherreads

Chapter 11 - YORRANNA

Incomodado, Tíwaz virou entre os lençóis abaixo das pesadas cobertas.

Exausto, ele não parava de pensar em Yorranna.

— Ela não… — ele repetia, forçando os olhos, respirando fundo, e indo para o outro lado do divã transformado em cama.

— Ela nasceu na nobreza, não seria incauta a esse nível, isso deve ser conhecimento fulcral entre eles. — resmungava o plebeu para si mesmo, tentando, sem sucesso, afastar a temeridade.

O som da lareira ardendo era o mesmo desde que a ilha flutuante de Marés entre Nuvens rumou mais ao norte, ao polar, território de Infinito Branco.

Segundo o avisado por Moeg'Tullam na última aula, a neve cairia do entardecer até o final da estação de silêncio.

De pé, usando roupas misturadas, coloridas, umas por sobre as outras, Tíwaz foi até o telefone.

Ele ainda não tinha feito nenhuma ligação, mas aprendeu sobre com a duo.

O disco de metal com dez orifícios girava, surpreendentemente pesado, a partir do zero, e a ligação acionou a central de atendimento.

Quando questionado para quem redirecionar a chamada, Yorranna Gryzaekov ele disse, envergonhado sem motivo.

E assim o telefone tocou nos aposentos da manchada arquiduquesa, e ressoou por minutos, mas ela não atendeu.

Irritado, Tíwaz pensou em não ir.

Esforçou-se uma vez mais, insistindo consigo mesmo que se preocupava sem motivo, que a nobre podia se virar sozinha, e era ele irracional por tanto se preocupar.

Não resistiu, e saiu correndo, com a neve até os joelhos por todo o caminho entre os carvalhos sem folhagem, de galhos e raízes negras apontando em todas as direções.

Ao chegar na casa da nobre, como ele temia, a lareira estava apagada.

Ele invadiu, socando a porta com a pele reforçada, o que, pelos últimos dias, Tíwaz só desativou quando a aura dele foi gasta até o limite.

A regra das noventa e nove horas para a aura ser abastecida não era totalmente verdadeira.

Tal tempo era para toda a aura ser recuperada, no entretanto, para passar uma hora transformado só eram necessários vinte minutos sem transfiguração corporal.

Notou Tíwaz que o tempo todo a aura dele retornava, lentamente, contudo, ainda era preferível beber do sangue fháurico de Moeg'Tullam, e regenerar a aura completamente num só gole.

O atrito empurrou trinco e madeiras esfareladas pelo corredor de entrada, até a sala contígua.

Com todo tipo de lata aberta usada e livros espalhados pelos corredores, ele desviou da imundície, tendo roupas também em montes encostados nas paredes.

Tíwaz tentou ignorar aquilo, e empurrou o que podia tirar do caminho.

Subiu as escadarias apressado, e lá estavam as cobertas na cama, todas, com a menina tremendo embaixo:

— Tíwaz, aquela porcaria de lenha não acendia de jeito nenhum. — lamuriou ela, com as bochechas inchadas e vermelhas, delirando com a fala arrastada.

Ele pegou o desastre ambulante no colo, e, sob auroras boreais verdejantes, carregou-a de volta em meio à nevasca na madrugada.

Em todos os últimos dias os dois almoçaram juntos. Com ele preparando pratos e levando para ela, que devorava tudo no teleférico indo para as aulas. Não exigiria muito esforço preparar as outras refeições diárias.

Ao retornar, Yorranna foi colocada diante da lareira, entre as cobertas espalhadas acima das tapeçarias.

Aninhou-se preguiçosa, e o menino foi requentar os camarões na cozinha.

— Meu pai não quis falar comigo. — mencionou Yorranna após o jantar, quebrando o silêncio entre o duo.

Permaneciam na sala de estar, iluminados pelas chamas, com a vampira esticando as mãos em direção à lareira.

— Você ligou para ele?

— Papai ligou para minha irmã, acho que tentou dar mais uma chance para ela. Quando eu liguei, não me atendeu.

— Não sei o que aconteceu para te envolver, mas, você não fez nada de errado. Tente ter paciência com sua irmã, deve ser um tempo difícil para ela também.

— Difícil para ela? — a fhauren queria chorar, porém as lágrimas não vieram. Talvez pelo frio. Talvez por ter compreendido que o quotidiano não voltaria a ser como antes, aprazível. — Ela só tinha que casar, Tíwaz. Era só isso, e com honrado príncipe. Minha mãe e a mãe dela são irmãs, e foram dadas de presente ao nosso pai. E ele pediu o divórcio. Maldito seja meu sangue. Se as duas não fossem parentes mamãe ainda estaria casada.

Por capricho, o arquiduque de Círculo Montanhês separou das duas esposas. E todos os noticiários não tinham outro assunto desde então.

O humano queria a amparar, mas não sabia como, a única forma que encontrou foi lembrando da balbúrdia no chalé eivado:

— Posso te ajudar a limpar a casa.

— Está me expulsando? Te confesso as intempéries de minha família, lhe abro o coração, e me chuta?

— Não, claro que não. Yorranna, acalma esse teu drama, que, confesso, dá-te ar cativante, todavia, descabido. Falo depois, quando a tempestade parar, ou amanhã. Por hoje, dorme aqui.

— Posso mesmo?

— Pode.

— Você nunca deixa, que te instigou?

— Nada notável. Aliás, por que você não coloca o lixo para fora? Está colecionando latas?

— Eu colocava! Até receber a carta da associação de coleta dizendo para separar o lixo. E eles não explicaram nada! — fungando sem polidez, a fhauren reclamava da coleta seletiva. — Fiquei com vergonha e parei de tirar.

Que maluca! Tíwaz percebeu que a fhauren não estava normal, e depois constatou que não fora bom amigo.

Por não acompanhar programas televisivos, o plebeu teve a errônea impressão de que, entre nobres, tudo se resolveria facilmente.

— Você pode ficar aqui. Vai demorar para a neve cessar. Acho que me preocuparia contigo sozinha. E também seria interessante aprender sobre as tais soirées. Quando vou ao mercado todos comentam, e existem faixas anunciando as datas.

— Mesmo?

— É. Perdão não ter percebido que você precisava de ajuda.

— Não precisa se desculpar! — e, corada, mencionou casualmente. — Se eu não voltar a ter meu título como antes, você fica comigo?

— Não creio que possa te vencer numa luta.

— Isso é óbvio! Oferecer-te-ei minha mão por contrato. Não quero ser a segunda esposa como mamãe, e muito menos o depósito de porra que é ser uma concubina, juro-lhe, Tíwaz, mato-me antes de aceitar a isso.

— Eu não sou ninguém, Yorranna. Não posso outorgar o que merece.

— E que mereço eu?

— Tudo o que nunca tive. Minha vida será… — ele assumiu planos que não passavam de pensamentos sem direção. — Crescer na Liga das Cinzas, e formar-me com a maior quantidade de ouro que conseguir. Não é possível que eu perca todas lutas. Depois viajarei, realizando trabalhos para as guildas na superfície.

— Será dos caçadores de avernos?

— Se tudo der certo. Estou evoluindo. Nos treinos com a mestra consigo desviar de alguns golpes. E a transfiguração está funcional. — ele endureceu os músculos três vezes, e os cabelos mel dançaram segundo os ventos que emanavam da aura.

— Posso ser uma esposa de conde, mesmo de conde caçador. — e a fhauren reforçou. — A primeira esposa. E, se estiver contigo, faremos mais recursos. Se até a formatura eu ainda permanecer manchada, você casa comigo? — ela mordeu os lábios, ajoelhando-se. E encostou o rosto nas coxas dele, que permanecia sentado no divã.

— Vamos pensar nisso nos próximos anos.

— Promete?

Anuiu ele em resposta.

A fhauren voltou à atitude cismadora, e os dois deitaram na sala, Yorranna perto da lareira, e Tíwaz no divã rente à janela ampla com neve acumulada.

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