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Chapter 15 - Capítulo 14 — O Olho da Tempestade

Valen dormia.

As ruas estavam desertas, o vento frio arrastando folhas secas entre os becos e o som distante do sino da torre marcando a meia-noite.Mas sob o véu da noite, o silêncio escondia movimento.

Nas sombras das vielas, as Espadas Negras se espalhavam como um enxame de predadores.Eram vinte homens, todos vestidos em couro escuro, rostos cobertos, passos leves — assassinos e mercenários contratados.O emblema de uma lâmina prateada riscada por um traço vermelho brilhava em seus ombros.

À frente do grupo, Darek, o líder, caminhava em silêncio.Alto, magro, com cabelos grisalhos e olhos como navalhas.Ele havia visto guerras — e matado o suficiente para que o medo fosse apenas um eco distante.

"Espalhem-se," sussurrou ele, a voz grave e rouca. "Sem barulho. O barão quer isso limpo. Entrem, matem o garoto e os líderes. Nenhum grito. Nenhuma testemunha."

Os homens assentiram.Metade seguiria pelos telhados, a outra metade pelos becos.Um ataque sincronizado, rápido e letal.

Mas eles não sabiam que Lucius já os esperava.

Na torre da guilda Caelum, Kael observava o norte com os olhos semicerrados.Ele havia espalhado fios de Douqi pelas ruas — uma técnica de rastreamento antiga, vibrando ao menor toque.E naquele instante, as vibrações se multiplicaram como cordas sob tensão.

"Movimento detectado," murmurou ele. "Quatro grupos. Três pelos telhados… um está vindo pelo esgoto."

No salão inferior, Rogan erguia o cajado ornamentado com runas azuis."Eles escolheram várias rotas," disse, a voz calma mas firme. "Querem dividir nossa atenção. Típico de assassinos profissionais."

"Mas não vai funcionar," respondeu Lucius, surgindo do andar superior.Vestia um casaco escuro com o emblema da guilda costurado no ombro.Os olhos azul-acinzentados refletiam o brilho das runas no chão — serenos, mas frios.

"Rogan, ative as barreiras externas. Kael, posicione-se no flanco oeste. Aurus, mantenha o perímetro norte."A voz de Lucius era baixa, mas carregava autoridade natural.

"E quanto a você?" perguntou Rogan, já traçando símbolos no ar."Eu? Vou recebê-los."

Rogan assentiu, girando o cajado. Círculos aquáticos formaram-se sob seus pés, e uma fina camada de névoa começou a se espalhar pelas ruas próximas — um campo de detecção líquida, capaz de distorcer sons e revelar passos inimigos.

"O manto está ativo," avisou ele. "Qualquer um que cruzar a linha será visto."

Aurus soltou um rosnado baixo, os olhos brilhando no escuro.O lobo se moveu como uma sombra viva, desaparecendo entre os becos.

Layra, no andar de cima, preparava a lança. "Os aprendizes estão protegidos. Friaren está pronta para reforçar as barreiras internas se algo romper o selo externo."

Lucius olhou uma última vez pela janela."O barão quer testar nossa força... então vamos mostrar o preço disso."

Com um gesto sutil, ele ativou as Runas de Vigia, que começaram a pulsar em sincronia com o coração da guilda — como se o próprio prédio respirasse.

Enquanto isso, nas ruas de Valen…

Darek caminhava na frente do grupo, atento.O ar parecia pesado demais, e uma fina névoa começava a rastejar pelo chão.

"Chefe," disse um dos homens, desconfiado, "essa névoa… não parece natural."

"Deixe pra lá," respondeu Darek, firme. "Eles querem nos assustar."

Mas quando deu mais dois passos, a água sob seus pés brilhou — e o chão tremeu.

Runas surgiram como veias de luz azulada, circundando todo o grupo.Um selo mágico, ativado à distância.

"Armadilha!" gritou alguém.

Antes que pudessem reagir, o som de um uivo profundo atravessou as ruas.Não era humano.

O som parecia vir de todas as direções ao mesmo tempo, grave, cheio de poder.O grupo se virou em desespero — e então o viram.

Aurus.

O lobo de pelagem escura avançou de dentro da névoa, os olhos prateados reluzindo.Um dos mercenários tentou levantar a lâmina, mas Aurus o atingiu com um impacto que quebrou o chão — o corpo voou, colidindo contra a parede de pedra.

"Fera mágica!" gritou outro, tentando conjurar uma magia.

Mas o ar se distorceu antes que ele pudesse completar o selo.Uma Lâmina de Vento cortou o ar em silêncio mortal, rasgando sua proteção mágica e o arremessando para trás.

No alto de um telhado, Lucius abaixou a mão, observando o resultado."Começou."

O vento soprou mais forte sobre Valen, carregando o cheiro metálico do perigo.

As Espadas Negras haviam vindo para matar,mas agora… era a Guilda Caelum que caçava nas sombras.

...

O silêncio da noite foi rasgado pelo som metálico de lâminas colidindo.

As Espadas Negras haviam rompido o primeiro círculo mágico, mas o preço fora alto.Dos vinte que iniciaram o ataque, sete já estavam caídos — alguns inconscientes, outros incapazes de se mover.

Kael era uma sombra em meio ao caos.Movia-se com precisão quase inumana, desviando, atacando e desaparecendo.Seu Douqi cintilava em torno da espada, moldando-se em golpes rápidos como relâmpagos.

Um dos mercenários avançou pelas costas —Kael girou o corpo e cortou o ar em diagonal, o som seco de metal ecoando.O homem caiu antes de compreender o que havia acontecido.

"Eles têm formação de cerco," disse ele, limpando o sangue da lâmina."Estão tentando nos prender entre as ruas laterais."

Lucius pousou ao lado dele, o casaco rasgado pelo vento conjurado."Então vamos cercar o cerco."

Ele ergueu a mão — e o ar vibrou.Três círculos mágicos se abriram diante dele, um sobre o outro, pulsando com luz azulada.A técnica era fruto da memória de um mago que havia morrido em uma guerra antiga —um domínio que agora Lucius usava como se fosse dele.

"Supersônico."

O feitiço explodiu em vento comprimido, envolvendo Lucius e Kael.O chão rachou sob seus pés — e em um piscar de olhos, os dois desapareceram.

Os inimigos nem perceberam o movimento.Um instante, estavam atacando.No seguinte, Lucius já estava atrás deles, traçando outro selo no ar.

"Lâmina de Vento!"

O projétil giratório partiu do círculo mágico como uma foice viva.O impacto foi seco — o ar se dividiu, cortando as paredes e rasgando armaduras.Três homens foram arremessados contra os muros, o som das lâminas se perdendo no rugido do vento.

Kael surgiu logo atrás, terminando o que o feitiço havia começado.

No alto da torre, Rogan coordenava o campo mágico.O cajado dele brilhava intensamente, runas aquáticas pulsando a cada comando."Lucius, há cinco vindo pelo flanco oeste. São magos de suporte — um deles está lançando dissipação de barreira!"

Lucius ergueu o olhar, vendo o brilho distante."Entendido."

"Posso contê-los," disse Rogan. "Mas vai me custar energia."

"Então eu reduzo o custo."

Lucius fechou os olhos e estendeu a palma para o chão.Do subsolo, a energia acumulada das almas que havia devorado começou a responder.O ar ficou pesado, o vento rugindo em espirais invisíveis ao redor dele.Sua presença cresceu — o poder da alma atingindo o limite do nível 8.

Quando abriu os olhos, o azul-acinzentado havia se tornado uma fenda de luz tempestuosa.

"Rogan, libere a defesa. Eu assumo a frente."

O mago veterano hesitou por um segundo, depois assentiu."Como quiser, garoto. Que os deuses te guiem — se é que ainda te escutam."

Lucius sorriu de leve. "Não preciso de deuses. Só de foco."

E então ele saltou.

O impacto rachou o chão quando ele aterrissou no meio dos magos inimigos.Os homens recuaram, assustados — a pressão espiritual era esmagadora.

Lucius traçou três selos em sequência, o ar vibrando com força.

"Lâmina de Vento.""Relâmpago Contido.""Fusão."

As duas magias se entrelaçaram em um único ataque.Um disco giratório de vento e eletricidade rasgou o ar, abrindo um corredor de destruição entre os mercenários.O choque iluminou toda a rua — e o silêncio veio logo depois.

Quando a poeira baixou, os cinco magos estavam no chão.Alguns apenas desacordados. Outros… não mais.

Lucius respirou fundo, as faíscas dançando em torno de seus dedos."Kael, status?"

"Sete restantes," respondeu o guerreiro, surgindo das sombras. "Mas estão recuando. Darek deve ter percebido que o plano falhou."

"Então não o deixem sair da cidade."

Nas vielas próximas, Aurus surgia da escuridão, coberto por sangue e fuligem.O lobo avançava com ferocidade controlada, cada golpe de suas garras acompanhado de vento cortante — o efeito da magia de Lucius fluindo nele como uma bênção selvagem.Dois homens tentaram fugir pela lateral, mas o lobo os interceptou com um salto sóbrio e brutal.

Rogan, da torre, observava o campo de energia estabilizar-se."Eles não esperavam resistência. Isso deve mandar uma mensagem clara ao barão."

Lucius limpou o sangue do rosto, o olhar firme na direção norte — onde a fumaça ainda subia."Mensagens só funcionam quando o destinatário vive o bastante pra lê-las."

O som dos combates cessou pouco a pouco.As chamas de relâmpago queimavam nas pedras, e o cheiro de ferro tomava o ar.

Quando o último inimigo caiu, Lucius parou no centro da rua.As runas sob seus pés começaram a apagar uma a uma.Kael se aproximou, ofegante, mas com um meio sorriso.

"Vitória limpa."

"Não," respondeu Lucius, olhando o horizonte. "Vitória temporária."

Rogan desceu os degraus da torre, o cajado ainda brilhando em azul fraco."O barão não vai aceitar essa derrota em silêncio."

Lucius concordou. "Eu sei."

Ele ergueu o olhar para o céu escuro."E é exatamente por isso que vamos atacar primeiro."

...

O campo de batalha havia silenciado.As chamas de relâmpago ainda dançavam entre os destroços, e o vento trazia o cheiro de ozônio e ferro queimado.

Lucius permaneceu no centro da rua destruída, o corpo ereto, o olhar distante.As runas ao redor dele se apagavam lentamente — sinais de uma magia que havia chegado ao limite.Kael limpava a lâmina, a respiração ainda irregular.Rogan, o velho mago, formava esferas de água nas mãos, curando feridos com precisão silenciosa.

"Terminamos," disse Kael. "Mas o barão vai reagir rápido."

Lucius não respondeu.Seus olhos azul-acinzentados fixaram-se no horizonte.Ele podia sentir — a vibração da cidade, o fluxo sutil de poder nas sombras.A energia mágica não mentia.Havia mais homens escondidos… e a guerra ainda não tinha acabado.

"Dessa vez, nós caçamos," murmurou Lucius.

Rogan ergueu o olhar. "Quer atacar primeiro? Mesmo exausto?"

Lucius respirou fundo. "Esperar é dar tempo ao medo. E o medo é o que nos mata primeiro."

O velho sorriu de leve. "Você fala como um homem de cinquenta."

"E ajo como um garoto de oito," respondeu Lucius, com um meio sorriso cansado.

Ele fechou os olhos.

E, de repente, o mundo pareceu desacelerar.

Lucius sentiu a pulsação da magia natural — as partículas de energia que permeavam tudo.Aquelas não eram correntes físicas, mas fragmentos elementares, reagindo à presença de uma alma forte.Vento, fogo, terra, água, relâmpago, luz e trevas — os sete fundamentos do mundo — vibravam ao redor dele, dispersos e vastos.

Ele estendeu as mãos, e um redemoinho de energia começou a girar.O poder não vinha de fora, mas do responder do ambiente à sua alma — como se o próprio mundo o reconhecesse.Cada elemento se inclinava a ele, não por dominação, mas por sincronia.

"Tudo o que vive possui essência," murmurou. "E toda essência é reflexo da alma."

As linhas de mana se condensaram, envolvendo seu corpo.A pressão aumentou.Kael recuou, sentindo o ar vibrar, e Rogan franziu o cenho, espantado."Ele está absorvendo mana bruto… sem catalisador."

O chão rachou sob os pés de Lucius.Raios deslizavam por seus braços, enquanto ondas de fogo e vento giravam ao redor.A energia não se misturava em caos — ela seguia o ritmo da alma, equilibrada, precisa.

Era esse o segredo de Lucius.

Sua alma, fortalecida pela devoção de almas passadas, possuía capacidade de controle muito acima do normal.E quanto mais sua alma se expandia, mais profundo se tornava seu domínio sobre o mana.

O poder dele subiu como uma onda invisível, e então —silêncio.

Quando Lucius abriu os olhos, o brilho azul-acinzentado de suas pupilas cortou a escuridão.O ar parecia pesado demais para ser respirado.

Rogan murmurou, com espanto:"Magia nível oito... e ainda com corpo de criança. Inacreditável."

Lucius respirou fundo, os cabelos levemente flutuando no vento residual."Agora sim," disse ele, com voz calma. "Podemos ir até eles."

Kael ajustou a capa, sorrindo de lado. "Você planeja atacar o ninho deles, não é?"

Lucius assentiu. "Os Espadas Negras têm uma base fora dos muros de Valen. É hora de cortar o mal pela raiz."

"E o barão?" perguntou Rogan.

Lucius virou o rosto para o norte."O barão é o tipo que se esconde atrás dos outros. Vamos deixar que ele sinta o peso do vazio antes de ser o último."

Horas depois, sob a lua pálida, quatro silhuetas deixaram a cidade.Lucius à frente, o olhar firme.Kael movendo-se sem som algum, como uma sombra viva.Rogan, o manto tremulando, canalizando feixes de luz azul no cajado.E Aurus, o lobo, agora maior, a pelagem escura reluzindo sob a luz noturna — silencioso, mas com o olhar predador fixo na escuridão à frente.

A Guilda Caelum dormia,mas o trovão que ecoou entre as montanhas anunciava o inevitável:

Lucius estava indo à caça.

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